O experiente radialista Francisco Paes de Barros, escreveu um recente artigo sobre como a Rádio 9 de Julho AM 1.600 kHz – São Paulo/SP, foi esquecida pelo Governo Federal.

Confira a publicação.

Tenho dito reiteradamente que a radiodifusão brasileira continua anacrônica devido à política protecionista dos governos da Nova República. Política essa que privilegia parlamentares concessionários. A bancada dos radiodifusores no Congresso Nacional transformou-se em um poder independente e intocável. Suas emissoras são as principais eleitoras nas eleições municipais, estaduais e federais. Comprometem a representatividade do povo nessas esferas.

Hoje vou dar um exemplo de que o espírito público e os ideais republicanos têm tido presença tímida na política de radiodifusão dos governos da Nova República. Nada mudou em relação ao tempo da ditadura militar. Os parlamentares e seus herdeiros, donos de rádio e de televisão, querem o poder pelo poder. São os mesmos que serviram à ditadura e hoje dão as cartas.

O exemplo a que me refiro é a Rádio 9 de Julho. No dia 2 de março de 1956, o saudoso dom Carlos Carmelo Vasconcellos, cardeal Motta, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, inaugurou a 9 de Julho.

Por oportuno, lembro que o Cardeal Motta foi o fundador e um dos principais idealizadores da PUC-SP, em 1946. Ele também fundou o jornal “O São Paulo”. Essas três instituições – universidade, jornal e rádio – têm escrito páginas memoráveis da História do Brasil.

A 9 de Julho, no período que antecedeu sua cassação (1956-1973), era composta de estações de ondas médias (540kHz), curtas e frequência modulada (107,7 MHz). Naquela ocasião, a FM era utilizada internamente como link entre os estúdios e os transmissores. A partir de 1975, as AMs passaram a poder explorar comercialmente seus canais em frequência modulada com programações próprias. Menos a FM 9 de Julho (107,7 MHz) que, então, já estava cassada.

Em 1973, devido à forte oposição que dom Paulo Evaristo cardeal Arns, arcebispo de São Paulo, fazia ao regime militar, denunciando na Rádio 9 de Julho as torturas ocorridas nos porões da repressão, o general Garrastazu Médici, presidente da República, cassou as concessões da emissora católica de São Paulo.

Já na Nova República, o governo Sarney, através do ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, ensaiou devolver a Radio 9 de Julho à Arquidiocese de São Paulo. Mas impôs uma condição: não seria possível voltar para São Paulo e ofereceu uma emissora em Cotia com potência (1 mil watts) bem inferior a que a 9 de Julho possuía antes do seu fechamento. Ela não conseguiria ser ouvida em São Paulo. Dom Paulo Evaristo não aceitou.

O governo Itamar Franco elaborou estudo prevendo a volta da Rádio 9 de Julho para São Paulo e reservou a faixa de 1600 kHz (ondas médias). E, em meados da década de 1990, quando o presidente Fernando Henrique resolveu verdadeiramente devolver a emissora à Igreja, o Cardeal Arns solicitou aos seus assessores um estudo de viabilidade técnica sobre o aumento de potência de 10 mil para 100 mil watts na frequência de 1600 kHz, com o intuito de compensar a perda do sinal que a emissora teria se tivesse aceitado a proposta do governo Sarney. O estudo foi apresentado ao governo FHC, que aprovou o aumento da potência. Consequentemente, anos depois, em 19 de março de 1999, a emissora voltou ao ar, sem a sua FM 107,7MHz.

Há de se registrar que a 9 de Julho foi prejudicada ao ter que mudar para  a frequência de 1600 kHz.  Vale lembrar que, após a cassação, a frequência antiga da 9 de Julho no dial (540 kHz) foi ocupada por uma emissora de propriedade de políticos ligados à ditadura militar. Políticos que conseguiram aumentar a potência de sua emissora de 10 mil para 50 mil watts. Devido à nova potência reservada no AM, aquela emissora passará a ter uma potência de 60 mil watts quando migrar para a FM. Já a Rádio 9 de Julho (AM – 100 mil watts – 1600kHz) ficou com apenas 5 mil watts se quiser migrar para a FM. Com essa potência limitada, seu sinal (som) chegará a poucos quarteirões. É uma tremenda injustiça!

O Plano de Migração do governo Dilma, lançado há três anos, foi feito em razão da dificuldade que o ouvinte tem em sintonizar uma emissora AM nas grandes cidades, geralmente sob muita interferência. As emissoras AM terão de optar: continuar nessa faixa ou migrar para a FM. O futuro das AMs que não migrarem é incerto, se bem que elas poderão pedir socorro para as redes sociais.

Dom Cláudio cardeal Hummes, então, arcebispo de São Paulo, pediu ao governo Lula, sem sucesso, a devolução da FM 9 de Julho -107,7MHz (1954-1973), cassada pelos militares.

Resumindo, as ondas médias, curtas e de frequência modulada foram cassadas pela ditadura militar. O governo Sarney fez uma proposta indecente para a 9 de Julho voltar. Itamar Franco viabilizou a frequência (AM) de 1600 kHz, em São Paulo. O governo Fernando Henrique Cardoso restabeleceu a concessão e autorizou o aumento de potência da estação de ondas médias e não devolveu a FM 107,7MHz. O governo Lula não atendeu ao pedido para restabelecer a concessão da FM 107,7MHz cassada pelos militares. A presidente Dilma Roussef, através de seu plano de migração, não levou em consideração a história da 9 de Julho: ofereceu uma FM de baixíssima potência, que a limita a falar para alguns quarteirões.

Sem perspectiva, nessas condições, a Rádio 9 de Julho será inaudível.

A radiodifusão brasileira é anacrônica. Exemplo: é insensível às injustiças cometidas contra uma emissora como a 9 de Julho, que dignifica a liberdade de expressão, defende o acesso a todas as informações,  defende os direitos humanos e cumpre rigorosamente o que determina a Constituição do Brasil (promoção da cultura nacional e regional).

Esses fatos me levam a concluir que a história da Rádio 9 de Julho é um estorvo ao status quo político e econômico dominante na política de radiodifusão da Nova República.

Francisco Paes de Barros – radialista